(Con)Viver com a DOR

“Um velho Monge, sentindo que um dos jovens discípulos andava muito triste, convidou a que este o acompanhasse. Dirigiu-se à cozinha do velho Mosteiro e pediu ao jovem que colocasse um punhado de sal num copo de água e o bebesse.

– Qual é o gosto? – perguntou o Mestre.

– Horrível – disse o aprendiz.

O Monge sorriu e pediu ao jovem que guardasse outro punhado de sal num bolso e o acompanhasse. Saíram ambos em silêncio. Era verão e estava muito calor. Subiram um monte que ladeava o Mosteiro, caminharam mais um bom tempo por entre uma mata e um enorme vale, até que chegaram a um enorme e sereno lago. Então, o velho Monge, pediu ao jovem que deitasse o punhado de sal que trazia na água. Depois disse:

– Bebe um pouco dessa água.

Enquanto a água escorria pelo queixo do jovem, o Mestre perguntou:

– Que tal é o gosto?

– Bom – disse o rapaz.

– Sentes o gosto do sal? – perguntou o Mestre.

– Não – disse o jovem.

Sorrindo, o velho Mestre sentou-se ao lado do rapaz, pegou numa das suas mãos e disse:

– A dor na vida de uma pessoa não muda. Mas o sabor da dor depende de onde a colocamos. Quando sentires dor, a única coisa que deves fazer é aumentar o sentido de tudo o que está à tua volta. É dar mais valor ao que tens do que ao que perdeste. Por outras palavras, é deixares de ser copo para passares a ser Lago.”

Com esta lenda, queremos apenas relembrá-lo do seu papel na gestão da dor. Reconhecemos que viver a maior parte do tempo com dor é desgastante física e emocionalmente. Conviver com a dor exige grande esforço físico e mental, o que pode gerar sentimentos de tristeza, desmotivação e desesperança. E, como se não bastasse, esta dor não apenas compromete a vida do indivíduo, como pode também afetar a família e pessoas próximas.

No entanto, se há algo que ainda tem o poder de transmitir alguma esperança, é o conhecimento de que a dor não é a simples resposta mecânica do organismo a uma lesão, mas sofre também influência dos nossos pensamentos e sentimentos. O processamento da dor é mediado pela forma como a percecionamos, o que indica que ela pode aumentar ou diminuir de intensidade dependendo das nossas emoções, pensamentos, da atenção que lhe damos ou do significado que atribuímos à situação pela qual estamos a passar.

A título de exemplo, uma pessoa que se habituou a, constantemente, sentir dor, provavelmente também se habituou a analisar o seu corpo, a todo o momento, para avaliar se o dia vai ser com ou sem dor. No entanto, é assim que se cria um ciclo da dor. Ao direcionar a atenção para o corpo em busca da dor, muitas vezes esta acaba por parecer mais intensa. Além disso, perceber que a dor está realmente presente pode ativar memórias de dias maus com dor e muitas vezes, levar a pessoa a antecipar cenários em que não vai conseguir enfrentar o problema, decidindo, por consequência, evitar sair de casa ou participar em situações sociais. Ao escolher ficar em casa, acaba por prestar mais atenção ao corpo e à dor, ativando mais pensamentos negativos que intensificam a dor e o sentimento de desesperança. Felizmente, da mesma forma podemos concluir que se o foco for outro para além da presença, origem e/ou consequências da dor, poderemos então ver-nos na ausência ou diminuição da mesma.

Aprender a identificar os nossos pensamentos sobre a sensação de dor no dia-a-dia, examinando-os, permite-nos questionar como estamos a funcionar e se agir de outra forma poderia ajudar na gestão do problema.

Um dia-a-dia com mais qualidade de vida é possível, mesmo com dor e a psicoterapia pode ajudar oferecendo estratégias úteis para isso.

#Dor #Atenção #Perceção #Pensamentos #Emoções

Dra. Vânia Ferreira

Psicóloga Clínica e da Saúde | Heurística – Centro de Intervenção e Apoio Pedagógico e Psicológico